quinta-feira, 23 de setembro de 2010

No Dia Sem Carro, jornalista e ciclista

Por Milton Jung

Sou jornalista há 26 anos, blogueiro há quatro e ciclista há uma semana. Tudo bem que pedalo desde guri em Porto Alegre, mas nunca muito além do meu quarteirão, limite que mantive em São Paulo. Havia feito passeios de bicicleta na Cidade do Cabo, durante a Copa do Mundo da África, mas foi semana passada que arrisquei o primeiro desafio. O segundo foi neste Dia Mundial Sem Carro e foi o mais difícil pois, além de distante, fiz o percurso na ida e na volta – interminável volta que se encerrou diante de casa quando completei 39km em um só dia – com interrupções, lógico.

Escrevo ainda sob o efeito da pedalada. No corpo, nas pernas em especial, e na cabeça, também. Haja fôlego e preparo físico para percorrer ruas e avenidas que separam minha casa, na zona sul, da rádio, próximo ao centro. Mesmo que algumas destas vias tenham ares bastante agradáveis, em especial no Butantã e nos Jardins, atravessar a cidade é tarefa hercúlea – para usar expressão dos tempos de meu pai – para um neófito como eu.


Meu guia de pedal, Mig, foi excepcional para a ida. A volta tive de fazer na cara, na coragem e no resto de fôlego que tinha.

Pelo plano de viagem do Mig, fugimos das vias mais movimentadas o quanto foi possível. Em vez de Francisco Morato ou a inclinada Giovanni Gronchi, começamos na avenida Pirajuçara e Eliseu de Almeida. Pista larga em boa parte do percurso, apesar da obra que segue no canteiro central, mas com caminhões e ônibus. E uma pista simbólica para entender as prioridades de uma prefeitura que adora fazer mizancene no Dia Mundial Sem Carro.

Ali deveria ter sido construída uma ciclovia. Promessa de prefeito em 2007 com projeto desenhado e tudo mais. Por enquanto, só tem lama. E a CET envia nota dizendo que o plano da prefeitura está sendo readequado, sem prazo para terminar o tal estudo, menos ainda iniciar a tal obra. Será que erraram na primeira vez ? Os 750 ciclistas que usam a vida diariamente vão esperar sentados no selim.

Passar por dois quarteirões da Vital Brasil nos obrigou a andar entre os carros. Calma lá ! Estavam todos parados, assim como os ônibus. E logo que algum deu sinal de se movimentar, já havíamos vencido esta etapa.

Cruzar a ponte Euzébio Matoso foi tenso. Aliás, cruzar as pontes é sempre tenso quando se está de bicicleta. Mas deu pra vencer o percurso e logo fugir para o início da Rebouças, na esquina com a Marginal Pinheiros. Dali pra frente, uma sequência de belas alamedas, árvores na calçada, praças e “ouve o passarinho cantando”, chamou-me atenção meu tranquilo colega de pedal.

Difícil foi encarar a Bela Cintra e seus quarteirões finais, íngremes, intermináveis para meu (des)preparo, logo ali para quem já pedala há algum tempo. Mas superá-lo, mesmo que empurrando a bicicleta em uma das quadras, tinha duas motivações: encontrar a turma toda na Praça das Bicicletas, na avenida Paulista com Consolação, e depois descer o resto do percurso até a rádio.


Entre um gole de suco, frutas e barrinhas de cereal conversei com muita gente que havia estacionado na praça. A primeira reivindicação veio do Carvalho, funcionário de banco, que pedala todos os dias, mas sente falta de um banheiro com chuveiro na agência. Dificuldade enfrentada pela maioria dos ciclistas-trabalhadores. Felizmente, a CBN pode ser incluída na lista das empresas amigas da bicicleta. O banho foi o prêmio que recebi logo que cheguei por lá.

Houve quem reclamasse da falta de respeito com o ciclista. Devo ter tido sorte de iniciante. Pois nos 14km do Desafio e nos 39km do Dia Sem Carro o grau de risco foi muito baixo, o confronto com os carros e ônibus não foi evidente, e notei motoristas segurando no freio para permitir a passagem da minha bicicleta. Ouvi uma só buzinada na volta pra casa de alguém que parecia gritar para mim: teu lugar é na calçada ! Não é, mesmo.

É preciso, aqui, deixar esta questão bem explicada: evidentemente que quanto mais você pedala, maior é o risco. E quanto mais você pedala de maneira arriscada, o perigo é eminente. Mesmo que a rua seja espaço público e, portanto, a bicicleta teria de estar incluída nela, não adianta partir para o enfrentamento, o ciclista é o elo mais fraco nesta corrente, só superado pelo pedestre.

Por falar em calçada, dado o caminho privilegiado que fiz, fiquei satisfeito em ver que boa parte delas tinha guia rebaixada, sinal positivo para a civilidade que deve prevalecer no ambiente urbano.


Após 1h10 de pedalada, com mais meia hora de conversa na Praça do Ciclista, chegamos a CBN. Suado, sim, mas extremamente acelerado para trabalhar, ainda mais com o banho antes de entrar no ar. Havia entre os colegas da redação um espécie de espanto pela minha tarefa, principalmente ao ouvirem a promessa de que retornaria para casa no pedal. O Leonardo Stamillo, nem tanto. Ele é ciclista de verdade e hoje também estacionou a bicicleta no estacionamento da rádio.

Quem sabe seja possível incentivar outros companheiros de trabalho a usarem a bicicleta. E, em breve, tenhamos um número razoável de jornalistas ciclistas. Sugiro apenas que nas primeiras tentativas, façam percursos menores do que o meu. E se forem, respirem bem, antes de voltar.

Meu retorno foi bem mais demorado e sem a orientação do Mig. Mesmo por caminhos mais amenos, a perna estava muita pesada e, às vezes, tinha dificuldade para encontrar ar para os pulmões (sem contar que muitas vezes quando o encontrava vinha sujo pela descarga dos carros ou pelo pó das obras). Parei em vários pontos, bebi muita água, sentei na calçada, respirei até o batimento cardíaco baixar os 200 bpm.

Fui mais inseguro no caminho, mas aproveitei o embalo das pedaladas o quanto pude. Tive que cruzar a ponte Cidade Jardim e não foi muito fácil, não. Peguei avenidas mais longas e alcancei novamente a Elizeu que me pareceu bem mais extensa do que pela manhã, mas cheguei a meu destino.

Estou muito cansado, claro, mas bastante satisfeito com o resultado e a expectativa de incluir a bicicleta no meu cotidiano. Ainda não para as distâncias que percorri nestes dias, mas para trechos que estejam ao meu alcance e que vão bem além do quarteirão do tempo de criança.

Logo após o banho em casa, me preparo para esticar as pernas e descansar. Ledo engano, o rapaz do Censo bateu na porta. Profissão: jornalista e ciclista, brinquei com todo meu atrevimento.

NB: Na primeira foto, meu bate-papo com o vereador Floriano Pesaro (PSDB); na segunda, a mesa que nos esperava na Praça do Ciclista; na terceira, na frente da CBN e ao lado do meu guia, Mig

Mílton Jung é jornalista, âncora do programa CBN São Paulo, idealizador do projeto Adote um Vereador e autor dos livros "Conte Sua História de São Paulo" e "Jornalismo de Rádio".

7 comentários:

  1. Que peito, hein? É preciso mesmo muita coragem para se aventurar no meio de um trânsito selvagem como esse de São Paulo. É muito risco. Apesar dos apelos, "vá de bike" hoje isso é roleta russa.Jamais!!!!

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  2. Oi Cris , não acho tão perigoso assim ... perigo é meio relativo... e é questão de habito e de fazer rotas planejadas. acho andar de carro mais perigoso e mortal que pedalar uma bike.
    entre no site da bicicleta ou participe... toda ultima sexta feira do mês na paulista com a consolação... abraços
    Mário

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  3. Parece uma roleta russa pra quem está dentro de um carro e não imagina como é. Mas na verdade é muito mais tranquilo do que parece! Sempre respeitando seus limites, é claro. Vá com calma e antes de sair pedalando por aí que nem louco na 23 de maio, va até a banca, a farmacia, se acostumando com o transito que pode ser muito mais gentil do que se imagina!

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  4. Cris, você já tentou pedalar alguma vez em São Paulo? Provavelmente não, então por favor não fale uma besteira dessas.

    O que acontece é que todo mundo morre de medo de pedalar na cidade pois nunca tentou. E se tentou, o fez da maneira errada. Como assim?

    Quero dizer que aprender a pedalar nas ruas de SP deve ser igual a quando uma pessoa resolve aprender a dirigir. Ou seja, deve começar aos poucos, com um guia ao lado, para que ganhe confiança e aprenda os macetes do sistema.

    Ou você vai me dizer que não ficou morrendo de medo quando fez sua primeira aula com um carro?
    Aposto que não pegou o carro na garagem e foi direto pro trabalho sem nunca ter feito aulas.
    Estou errado?

    Portanto, antes de incentivar a indústria do medo, pare e pense.

    E VÁ DE BIKE!

    Henrique

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  5. Me desculpem, mas...dizer que o carro é menos seguro do que uma bicicleta? Já andei muito de bicicleta em São Paulo, mas há muito tempo, quando havia condutores bem mais educados (reflexo da boa educação nas escolas, o que hoje não existe).Quando percebi o nível dos motoristas tanto na má formação técnica específica como na educação, desisti.Acho que devemos analisar e entender a realidade dos fatos que nos cercam.
    Até parece que vcs estão fazendo propaganda para as fábricas de bicicletas!Andar em um bando delas pode até ser animador, mas tente se aventurar sozinho!E sobretudo não se pode trafegar de bike em qualquer avenida...
    Mas se vcs têm tanta coragem e tanta certeza de que o trânsito respeita o veículo menor, vão em frente!Respeito democraticamente quem tem a coragem e confiança, porém, tenho direito de discordar, ou não? Afinal estamos em uma democracia. E além do mais, o meu comentário não incentiva nenhuma indústria do medo, mas sim a da coerência e sensatez calcadas na mera observação do trânsito e as tristezas que nele ocorrem.Boa sorte!

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  6. Cris, entendo sua ótica, já pensei assim, acredite. O que você fala é devido a realidade que se vê, mas ele será mudada, porque é possível e outros países provam isso.
    O incentivo à bicicleta como transporte é justamente para humanizar a cidade. Acredite, se a cidade for adaptada para que apenas 10-20% se desloquem pedalando, haverá reflexo de segurança e tranquilidade para absolutamente todos, especialmente os mais frágeis.
    Carros em excesso deixam as ruas barulhentas, ameaçadoras, poluídas, espantam a vida humana. Restringir o acesso de carros e incentivar bicicletas traz sossego, harmonia, devolve a cidade às pessoas(ela não é das máquinas). Motoristas frequentemente surtam em seus carros, revelam a pior face humana, é o caos urbano atual que faz emergir os baixos instintos. Ninguém aqui é sócio de fábricas de bicicletas, mas geralmente são os motoristas espumam pela boca quando se diz que uso indiscriminado de automóvel é pernicioso e deve ser restringido. Eles é que parecem ser sócios da indústria automobilística.
    Eu quero poesia na minha vida, não aceito essa estupidez em que se vive, você gostaria de viver nesse lugar que eu quero fazer?

    abraço Márcio

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  7. Belo comentário, bem democrático. Tomara que vc tenha razão! Que a nossa sociedade seja muito bem formada e que os cidadãos tenham essa visaõ.Mas pode ser uma utopia. Talvez daqui há muito tempo, depois de muitas mortes e mutilações que são os fatos que engrossam a estatística atualmente, consigamos este paraíso (que não tem como negar q não seja) o qual até mesmo em cidades do interior onde o trânsito é bem menos selvagem, ainda não existe.

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